Aprenda a ler 11
- Luís Alberto C. Caldas

- 6 de set.
- 4 min de leitura
[F-006] Aprenda a ler a frase "Fé é credulidade: a condição de acreditar em coisas para as quais não há razão."
Essa frase foi dita pelo professor Simon Blackburn durante a conferência “Voltaire Lecture 2001: Does Relativism Matter?”, apresentada no Kings College, em Londres, em 13 de dezembro de 2001. A frase faz parte de um trecho maior que ajuda a entender seu sentido:
"A fé não é uma virtude. Fé é credulidade: a condição de acreditar em coisas para as quais não há razão. É um vício, e inevitavelmente encoraja outros vícios, incluindo a hipocrisia e o fanatismo..."
A ideia básica é a de que só se deve acreditar em coisas que podem ser provadas, que nunca se deve acreditar em algo simplesmente porque alguém o disse. Mas nós vivemos assim? Ou melhor, realmente seria possível viver assim?
Certa vez, minha mãe apontou um hospital e me disse: "Foi ali que você nasceu". Eu deveria duvidar? Deveria dizer "Prove que eu nasci ali, mostre-me um vídeo no qual você está entrando grávida ali e saindo comigo nos braços, depois prove que a criança que está no seu colo sou eu mesmo"?.
Não fiz isso, eu acredito nela. Aparentemente, o Sr. Simon Blackburn me reprovaria por acreditar em coisas sem ter prova. Mas acho que há uma boa razão para acreditar: minha mãe é uma testemunha confiável do meu nascimento.
Fé é o crédito que damos à palavra de alguém que julgamos confiável. É por isso que a lei diz, por exemplo, que "o servidor público tem fé pública" ou que “determinado documento é digno de fé”. Haveria algo de irracional em dar crédito ao que pessoas confiáveis dizem? Se o Sr. Blackburn testemunhar em juízo, ele espera que ninguém dê o menor crédito ao que ele diz?
Por acaso seria racional não confiar na palavra de ninguém? Isso significaria não confiar em informação alguma que recebamos. Alguém poderia viver assim? Alguma empresa poderia funcionar assim? Não, não há nada de irracional na fé, porque não podemos saber tudo diretamente, ver tudo com os próprios olhos.
Por exemplo, normalmente damos fé ao que um historiador diz, quando lemos seu livro. Caso contrário, para acreditar, teríamos que analisar todos os documentos que o historiador coletou, ouvir novamente todas as pessoas que ele entrevistou e assim por diante. Mas então teríamos que gastar o mesmo tempo que o historiador levou para escrever o livro. Isso não parece ser o mais racional.
Do mesmo modo, também a ciência está baseada, em grande parte, na fé que pesquisadores têm uns nos outros? Caso contrário cada cientista seria obrigado a refazer todos os experimentos de todos os outros cientistas, para ver se não estão mentindo. Normalmente não se faz isso, porque o cientista então não teria tempo de fazer as suas próprias pesquisas, e a ciência não avançaria. Isto é, o cientista tem fé nos seus colegas (embora hoje se saiba que existe grande quantidade de fraudes científicas publicadas).
E a fé religiosa, é irracional? Porque seria irracional confiar na palavra de pessoas que jamais mentiram, que foram bondosas e honestas, e que deram demonstrações de humildade, de sabedoria e de estarem plenamente instaladas na realidade, às vezes, muito mais que a maioria das pessoas? Então, por que eu devo dar fé ao tabelião do meu bairro, mas não a pessoas como os apóstolos e os santos?
Mas talvez o professor Blackburn respondesse a essa pergunta dizendo que o caso do Novo Testamento é diferente, porque São Mateus, São Paulo, São João dão testemunho de milagres.
Os Evangelhos já foram submetidos a técnicas usadas pela polícia para descobrir se testemunhas estão mentindo, leiam o livro Cold Case Chistianity, de James Warner Wallace (Saiba mais). E, ademais, por que falar de milagres é tão inacreditável? Só os apóstolos falaram deles? Não, na verdade milhões de pessoas hoje em dia, muitas delas confiáveis, dizem que testemunharam milagres.
Mas Blackburn considera que milagres não podem existir, porque ele nunca viu um, e porque a ciência não os explica.
Mas o fato de o Sr. Blackburn não ter visto um milagre é prova cabal de que eles não existam? Isso não pode ser só a ignorância dele? Dr. Blackburn é onisciente, ele viu tudo o que existe, por acaso? Ele também nunca viu a minha mãe, será que por isso ela não existe também?
E será que tudo o que a ciência não explica deixa de existir? A ciência não explicar alguma coisa não é um problema com a coisa, é um problema com a ciência; ela é que deve correr atrás das explicações. Quando a ciência não sabia nada sobre a eletricidade, não caiam raios durante as tempestades?
Além disso, a ocorrência de milagres é estudada e comprovada, com todo o rigor, por cientistas (muitos dos quais ateus). Os milagres da Igreja Católica, por exemplo, só são aceitos depois de estudos extremamente criteriosos. Quem quiser conhecer o rigor com que esses estudos são conduzidos, leia o livro Medical Miracles, da médica hematologista e historiadora Dra. Jacalyn Duffin (obs: ela é ateia), professora da Universidade de Queens, em Ontário, no Canadá (Saiba mais).
Por isso, a frase que lemos não me parece correta, porque só acreditar naquilo que puder ser provado ou que é explicado pela ciência é algo que se pode dizer, mas ninguém pode viver segundo essa regra, nem mesmo o Sr. Blackburn pode fazer isso. A frase é um flatus vocis, portanto.
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