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Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis

[L-033] Romances que descrevem a doença brasileira do fingimento.



"O conde Hermann von Keyserling era um homem muito rico, que vivia viajando, e a especialidade dele era tentar compreender os países onde ele estava. Ele tem um livro chamado Meditações Sulamericanas, onde traça retratos muito impressionantes dos argentinos, dos chilenos, dos brasileiros etc. (...) Ele observa a respeito da elite brasileira (ele não conheceu profundamente o povo) o seguinte: A imitação é um processo natural de aprendizado para o ser humano. Mas em todo lugar que eu visitei, quando as pessoas imitavam alguém, é porque elas queriam ser como ele. No Brasil, não, as pessoas se contentam com a imitação enquanto tal" (Olavo de Carvalho, aula 340 do Curso Online de Filosofia).


Por exemplo, em outros países, militares são aqueles que têm o desejo de arriscar a vida para defender os outros, professores são aqueles que desejam dedicar a vida ao conhecimento, que amam a língua e a alta cultura. O Brasil, por outro lado, é o país dos professores que ostentam títulos de doutor enquanto comentem erros de gramática a cada página, dos muitos militares que buscaram a carreira pela segurança e pela aposentadoria, e das pessoas que desejam mais parecer ricas do que ser ricas.


"Não é à toa que a obra do maior dos nossos ficcionistas é uma galeria de fingidos, hipócritas e palhaços, como jamais se viu no mundo. Em Machado de Assis o único personagem sincero, o único que fala consigo mesmo e tenta se compreender a si próprio e aos outros, o conselheiro Aires, acaba vivendo num prudente e recatado isolamento. Isso explica muita coisa da nossa política" (Olavo de Carvalho. Um capítulo de memórias. Diário do Comércio, 23 de junho de 2008".


"(...) pois a especialidade de Machado de Assis é o retrato do auto-engano. O personagem ideal de Machado de Assis é o pequeno vigarista: o vigarista que não rouba ninguém, só se engana a si próprio. E não há no mundo quem consiga descrever esses caras como o Machado de Assis. Ele entendeu tudo sobre isso, porque, eu acho, com algumas exceções, todo mundo no meio dele era mais ou menos assim. Você tinha, ali naquele meio, escritores muito bons, gente muito sincera, mas a propensão da sociedade brasileira para esse tipo de coisa já estava nítida no século XIX — e depois piorou, piorou muito.


Hoje é tudo fingido, só tem gente de papelão, e é por isso que as pessoas vivem com medo de qualquer coisa. Elas têm medo de coisas que não existem: você faz cara feia para as pessoas, e elas imaginam que é o Apocalipse. Esta coisa desfibrada, covarde, que há na sociedade brasileira vem de onde? Vem do excesso de auto-engano: apostaram demais em besteira.

Machado de Assis é um escritor supremo, um dos grandes escritores da humanidade, isso não se pode negar. Tudo o que ele fez até os quarenta anos tem valor apenas documental, porque até aí ele era um “escritor da moda”: ele seguia a moda do que se fazia à época, fazia bem, escrevia direitinho, mas não estava fazendo a sério; estava apenas copiando, aprendendo a copiar estereótipos literários.


Porém, aos quarenta anos, ele tem uma crise pessoal e descobre a miséria, a dor, o sofrimento humano. E aí, de repente, o negócio fica sério. E começa justamente com o primeiro livro que ele faz nesta segunda etapa, Memórias Póstumas de Brás Cubas, que é um livro daqueles de se tirar o chapéu e se admirar: “Como é que ele fez isso? Não é possível!”


A ideia mesma de “memórias póstumas” — o sujeito já morreu (“não sou autor defunto, eu sou defunto autor”), e ele descreve o seu próprio enterro, vê as mulheres que gostavam dele, fica olhando para ver no que vai dar — é um negócio incrível!

Nós temos que dar graças a Deus porque tem esse Machado de Assis na nossa literatura. Você poderia dizer que a literatura brasileira começou com Machado de Assis e terminou ali mesmo, porque ela nunca mais chegou nesse nível. Há escritores bons, mas no nível do Machado ninguém jamais chegou, e não vai ser fácil chegar".

(Olavo de Carvalho, aula 2 do Curso Online de Filosofia)


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