Aprenda a ler 16
- Luís Alberto C. Caldas

- 14 de set.
- 3 min de leitura
[L-051] Aprenda a ler literatura: Mito de Ícaro
Para compreender mitos, é preciso analisá-los simbolicamente. Para o famoso psicólogo Paul Diel, o símbolo por excelência da exaltação imaginativa é o voo de Ícaro. No mito, dois aspectos se destacam: o desejo exaltado de elevação e a insuficiência dos meios empregados.
O Sol é símbolo de Deus ou do ideal (bem, belo, verdadeiro), o voo em direção ao Sol significa a espiritualização; porém, o voo com a ajuda de asas de cera só pode significar a tentativa de falsa elevação: a soberba.
Dédalo, o homem engenhoso, é símbolo do pensamento, do raciocínio, da mente, mas sob sua forma pervertida, pois Dédalo é o construtor das asas artificiais que quase não têm poder de sustentação e o construtor de sua própria prisão, o labirinto.
O impulso vital para a elevação é simbolizado por asas verdadeiras, presas ao corpo de um modo natural, como as de Pégaso, do cavalo das musas, ou as asas dos anjos. O impulso perverso é frequentemente simbolizado pelas asas de animais noturnos ou, como no caso de Ícaro, por asas artificiais ineficazes.
O labirinto representa algo que lhe é imposto desde fora e reduz a sua visão ao imediato, que faz a pessoa ter que escolher, a cada momento, uma direção a tomar, sem conseguir compreender onde o conjunto de suas escolhas a está levando.
A alma, sem a visão de seu passado, pela narração da própria história, e de seu destino, dada pelo reconhecimento de metas supremas, toma decisões baseadas nas impressões imediatas que seus desejos e emoções criam para ela. Assim, ele se perde, vaga, erra.
Simbolicamente, a "filiação" representa uma relação de engendramento entre as qualidades e os defeitos da alma. A mente desligada do espírito (o pai) engendra, na medida exata de sua perversão, a soberba (o filho), demasiadamente cega para poder aproveitar conselhos sensatos.
A mente isolada do espírito, contudo, não basta para elevar o homem, não passa de asas de cera. Trata-se da tentativa de refazer a realidade pela mentira. O castigo de Ícaro é ser precipitado no mar (o que lembra outra queda, a de um anjo que se perverte e é lançado em terra).As profundezas do mar, pelas quais Ícaro é tragado, simboliza o subconsciente, onde estão recalcados os vícios, os “monstros marinhos”:
“O mar é o símbolo da vida, e navegar, 'viajar' através da vida. Sua superfície infinita simboliza a vida com suas aventuras e perigos, enquanto que as profundezas submarinas, povoadas de monstros míticos, tornam-se símbolo do subconsciente. Frequentemente, os heróis erram no mar da vida, numa viagem que simboliza seus combates essenciais, seus conflitos interiores, seus esforços em direção ao espírito. São socorridos pelas divindades do Olimpo e perseguidos por Poseidon que tenta fazê-los sucumbir, atraí-los em direção às profundezas (subconsciente)” (Diel, p.53).
No subconsciente estão aquelas coisas que a pessoa sabe que fez ou pensou, e as intenções injustificáveis que ela fingiu serem outras, mais nobres, todas aquelas coisas que o soberbo faz questão de não ver, cegando o seu espírito ou pondo-o para dormir.
“O caminho do recalcamento é, de longe, a reação mais frequente nos homens, pois o amor-próprio obriga cada qual a esconder suas verdadeiras motivações, frequentemente inconfessáveis, e a ornar-se de motivações carregadas de uma sublimidade mentirosa” (Diel, 1991, p.20).
Paul Diel. O Simbolismo na Mitologia Grega. São Paulo: Editora Attar, 1991.
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